Esportivo virá oficialmente para o Brasil ainda no primeiro semestre de 2014, mas o preço do prazer ainda não foi definido

A chave tipo chaveiro com sensor de presença. O som com iluminação
verde. Ah, e também o pequeno relógio digital estilo "Casio" no console.
São esses alguns dos pontos comuns visíveis entre o GT86 e outros
Toyotas.
Todo o resto é diferente, da experiência sensorial ao projeto
voltado a um objetivo, o prazer ao dirigir. Esse hedonismo esconde um
alvo secundário, provar que a japonesa voltou a fazer carros gostosos de
tocar. Resumindo: a Toyota quer tascar muito wasabi no seu tofu.
Lançado no finalzinho de 2011, o cupê resgata uma tradição milenar da
japonesa e de seus pares, a de criar esportivos pequenos e
bem-ajustados. Isso já foi um lance dos ingleses. Porém, desde o Mazda
MX5 de 1989, os japas conseguiram fazer em larga escala algo que os
britânicos não conseguiam: um esportivo que pegasse de primeira de manhã
e fosse gentil no resto do dia, tudo com menos grana que os alemães da
BMW e Porsche cobram pela mostarda apimentada no bratwurst. Poderia
guardar o melhor para o final: o GT86 virá oficialmente até o final do
primeiro semestre. Só o preço não foi definido. Quer um palpite? Algo
abaixo de R$ 150 mil. Não será barato. O objetivo nem é vender horrores,
e sim mostrar que a Toyota faz mais do que Corolla ou Etios. O nome 86
poderia levar a algumas analogias como “Agente 86” ou algo que o valha.
Calma aí, não precisa ocidentalizar. Esse oriental tem um referencial
próprio (confira o box ao final).
Prazer barato
Como em outras épocas, o desafio foi fazer um esportivo "barato", que
dispensasse as traquitanas indispensáveis para outros. Aquele câmbio
transeixo lá atrás que caracteriza os projetos de motor dianteiro da
Ferrari desde a 275, foi dispensado em favor de motor “plano” com cárter
mais baixo e caixa Aisin manual de seis marchas, tudo em posição
central-dianteira. O teto em fibra de carbono do BMW M3 foi preterido
por uma chapa mais fina graças aos aços de alta resistência que, por sua
vez, são bem mais baratos que aluminio.

Esses detalhes chatos de se ler são traduzidos na dinâmica afiada. A
distribuição de peso é quase perfeita, 53% na dianteira e 47% na
traseira. Com o carro vazio, comigo lá dentro entre-eixos, a coisa fica
ainda mais equilibrada. A tração é traseira, como estava escrito no
Antigo Testamento, e tem na versão GT (que será trazida para cá) o
diferencial de deslizamento limitado. É para esticar a aderência dos
ótimos pneus Michelin Primacy HP 215/45 R17.
A mística do nome 86 está em todo lugar, do logotipo que faz menção ao
estilo boxer nos para-lamas ao curso e diâmetro dos cilindros de,
exatos, 86 mm. Isso faz o quatro cilindros ter disposição a qualquer
faixa, auxiliado pelo comando duplo de válvulas variável em abertura e
fechamento.

Essa busca do ponto de equilíbrio também determinou o uso de motor
boxer. A solução é incomum para a Toyota. É porque não é dela mesmo,
trata-se do mesmo FA 2.0 aperfeiçoado da Subaru que, na Toyota, ganha
injeção eletrônica (para favorecer a queima no período de aquecimento,
baixas e médias rotações) e direta combinadas (para dar uma taxa de
compressão maior de 12,5:1 e também o fôlego em altas rotações). Para
acabar de vez com a fama de beberrões de alguns boxers, faz 8,3 km/l de
gasolina na cidade e 13 km/l na estrada. Para o que anda, tá de bom
tamanho.
O compartilhamento de motorização é o tipo de arranjo que fez
aficionados ficarem excitados com a notícia da compra de parte da Subaru
pela Toyota e, convenhamos, operações da bolsa normalmente só deixam
investidores excitados. Não é à toa que a Subaru tem sua própria versão
do carro, o Subaru BRZ, daí o apelido “Toyobaru”. De quebra, divide o
custo de desenvolvimento de esportivos. Na mesma linha, a Mazda vai
dividir a plataforma e desenvolvimento do novo MX5 com a Alfa Romeo e
seu Spider, mais uma prova que o rabo começou a balançar o cachorro no
mundo dos esportivos.
Girando, Girando
O DNA do 2.0 boxer da Subaru define o seu comportamento. Com volante do
motor aliviado e disposição para girar, é fácil ir além dos 7 mil giros
até o corte. É nessa hora que os 200 cv chegam com força. Ao contrário
do VTEC antigos da rival Honda, não é necessário dirigir o GT86 como se
tivesse acabado de roubá-lo. Quando você chega aos 4.500 giros, o
frenesi começa e o delírio só "piora" após os 6 mil giros, pois é entre
6.400 e 6.600 rotações que é entregue o torque máximo de 20,8 kgfm. Não
é por acaso que o conta-giros fica no centro do palco (quero dizer,
quadro). Dentro dele, está um velocímetro digital e também uma
shift-light para indicar mudanças. E as retomadas acontecem em tempo
razoável. De 60 a 100 km/h, são apenas 7,1 segundos.

A sonoridade rouca é amplificada pelo escapamento duplo que deixa parte
do ronco “escapulir” para a cabine. Ali no gargarejo, o que se ouve é
um ronco grave de quatro cilindros bem ajustado. Poderia dublar
perfeitamente o som de um Porsche sem se perder na tradução. Talvez seja
o 2.0 boxer aspirado quatro cilindros mais interessante que vi depois
do 356 Carrera 2.0 e seu propulsor a ar com quatro (!) comandos de
válvulas.
Ficha técnica | |
---|---|
Motor Longitudinal, 4 cilindros opostos, 16 válvulas, comando duplo variável, injeção eletrônica e direta, a gasolina | |
Deslocamento | 1.998 cm³ |
Potência | 200 cv a 7.000 rpm |
Torque | 20,8 kgfm entre 6.400 e 6.800 rpm |
Transmissão | Manual de seis marchas, tração traseira |
Direção | Elétrica |
Freios | Discos ventilados na dianteira e sólidos na traseira |
Pneus | 205/55 aro 16 |
Dimensões | Comprimento: 4,240 metros; largura: 1,775 m; altura 1,285 m; entre-eixos: 2,570 m |
Capacidades | Tanque 50 litros; porta-malas: 214 litros |
Peso | 1.257 kg |
Além disso, os cilindros deitados deixam a frente ainda mais grudada no
chão. É instantâneo apontar em curvas e a direção é tão direta que
mudanças de faixa são feitas com uma mera carícia no volante. Hattori
Hanzõ deve ter participado do projeto, uma sensação que cresceu a cada
tomada de curva feita com precisão e saídas obscenas. Mérito não apenas
do equilíbrio, como também do peso baixo de 1.257 kg - dá ótimos 6,3 kg
por cv. A suspensão dianteira McPherson tem geometria bem calculada,
enquanto a traseira duplo A aproveita um esquema de pista para não
variar o contato das rodas com o asfalto. Se perder o contato, aproveite
para pisar no pedal do meio com confiança, graças ao curso curto e
sensibilidade na medida. Os discos ventilados na dianteira e sólidos na
traseira estancam o GT86 de 80 km/h a 0 em 26,7 metros.
Nem tudo é perfeito. A assistência elétrica poderia passar mais
sensibilidade. Não mata o conjunto por duas razões. Por ser elétrica, a
assistência muda de forma bem mais variável em todas situações. Fica
diretinha em velocidade e macia em manobras. De qualquer forma, esse é o
tipo de carro que informa o que está se passando pelos quadris,
apoiados em poltronas envolventes de espaldar alto. Antes mesmo de sair
ele começa a avisar. Não para você evitar, por favor.

Os controles eletrônicos de estabilidade e de tração podem ser
desligados individualmente por botões no console. O próprio processo
entrega que esse é um carro diferente. Nada de ficar apertando os botões
durante alguns segundos, o Toyota não dá tempo de hesitar e os coloca
para dormir com um toque rápido. É a senha para a diversão. No mundo
sensorial do GT86, pouco importam os números de desempenho. Na pista, o
cupê vermelho arrancou aos 100 km/h em 8 segundos cravados e vai pouco
além dos 230 km/h . Um Audi A3 Sportback 1.8 TFSI faz o mesmo em 7,5 s.
Deixe quieto, nem sempre a sorte está nos números.
Faca Ginsu
Com seis marchas, o câmbio Aisin vai além das metáforas comuns estilo
"faca quente na manteiga" ou "pá-pum". Reprojetado, tanto o curso quanto
a alavanca são curtos e entabular uma marcha atrás da outra e fazer
reduções se tornam parte de você. Isso dá uma mão na hora de retomar, o
GT86 não é do tipo que vai dobrar esquinas em terceira marcha. A
embreagem alta não chega a ser pesada para o uso urbano, porém exige
mais força que o normal.

Roncando alto em segunda, penso "estou indo rápido demais", mas quando
olho para o velocímetro digital vejo que o limite de 60 km/h da via não
foi alcançado ainda. Ele é assim, capaz de divertir em qualquer
situação. A maioria dos terrenos que passaria despercebida sob os pneus
de outros carros se torna providencial. Até mesmo bucólicos calçamentos
de pedras com relva crescendo entre as lajotas viram playground. Falando
em calçamento, pisos ruins não chegam a deslocar vértebras. Claro que o
GT86 é durinho e, embora seja rock and roll, não precisava investir na
percussão ao rodar sobre o nosso péssimo asfalto.
Chega logo
Para cá, serão trazidos os modelos manual e automático sequencial,
também de seis velocidades. Há airbags frontais, laterais, de cortina e
para os joelhos do motorista, além de ar condicionado automático e todas
as bossas de um carro caro. Embora o acabamento do painel seja macio, o
rádio destoa no tom retrô e na iluminação verde. Será trocado por uma
central multimidia com GPS. O banco traseiro com espaço para dois está
ali mais para fazer gênero e ampliar os 218 litros do porta-malas (raso e
com o estepe normal exposto). Aqueles interessados em usar o cupêzinho
como 2 +2 (dois adultos e duas crianças) tem como aliado o sistema
Isofix de fixação de cadeirinhas. Talvez seja melhor tratá-lo mais como
esportivo afinado do que grã turismo nessas horas. Afinal, não é para
ficar dando Dramin para os pequenos toda hora...
Hachi-Roku | |
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![]() Quem precisa de Pikachu ou robôs gigantes quando pode ter um personagem de animê bem mais excitante? Pois é, o Toyota é conhecido lá no Japão como Hachi-Roku ou (alguém aí adivinhou?) 86. É uma referência mais do que direta ao Truenno AE 86 (também conhecido como Corolla Levin ou Sprinter Truenno). O último Corolla de tração traseira, o elo perdido entre as primeiras gerações e os médios comportados que vieram depois. Ele é famoso pelo equilíbrio e por ser o queridinho dos pilotos de drift. E é a estrela do animê Initial D, iniciado em 1995. Passado no fictício Monte Akina, o desenho conta a história de Takume Fujiwara, garoto que aprendeu por osmose a “dirigir” melhor que ninguém o AE86 do pai. Como? Entregando tofu de madrugada para os clientes da loja do velho. O motor 1.6 16V de alta rotação entregava 130 cv apenas, esticados pelo talento de Takume. Fez (e faz) tanto sucesso que alguns chegarão a pintar seus GT86 com a mesma padronagem preto e branca do carro do personagem. Depois de dirigir o novo Hachi-Roku nas montanhas, ficou apenas uma certeza: para que fazer mais tofu diante de tanto wasabi? |
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Disponível no(a):http://revistaautoesporte.globo.com
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